Em 1976, época em que discos registrados ao vivo ainda eram raridade no Brasil, Alceu Valença lançou o explosivo Vivo!. O LP trouxe a trilha sonora de uma performance intensa, energética e contestadora, apresentando ao mundo a música contemporânea pernambucana. A partir desta quarta-feira (28), os fãs do cantor e compositor terão a oportunidade de ter em mãos uma reedição luxuosa do icônico álbum, assinada pela Rocinante Três Selos.
>> Leia a coluna Giro desta quarta-feira, 28/08/2024
No fervilhante cenário cultural dos anos 1970, Alceu Valença emergiu como um dos mais vibrantes representantes da nova música nordestina com a sua participação no festival Abertura, defendendo Vou Danado pra Catende. O pernambucano despontou como o capitão da espaçonave que partiria do Nordeste para sobrevoar o Brasil e, mais tarde, o mundo.
Gravado durante a última apresentação do espetáculo Vou Danado pra Catende, no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro, em 7 de setembro de 1975, o espetáculo foi marcado por um momento de tensão: nos bastidores, antes de subir ao palco, o cantor foi informado da prisão de seu parceiro Geraldo Azevedo pela repressão militar.
No Jornal do Brasil, Alceu Valença definiu seu show: “Quem vier assistir não verá um concerto onde eu sou a figura central. Direção existe, mas é aberta, elástica. Sou o palhaço ou o bobo da corte, às vezes domador. Posso divertir o público ou irritá-lo. Não vou permitir de modo algum que façam do meu sotaque um subproduto. Minha música tem som universal com vivência nordestina”.
E é essa energia que transborda em cada faixa do disco. “Senhoras e senhores, meu cordial boa noite!”, dizia Alceu na abertura do show e do LP. A redoma que o pernambucano deseja destruir, a barreira entre artista e público, estava com os minutos contados. A introdução circense, embalada em viola, flauta, percussão e guitarra viajante estão na corpulenta abertura de O Casamento da Raposa com o Rouxinol. O encerramento do lado A é com Você Pensa, o momento mais pesado, agressivo e fugaz do disco.
“Agora eu vou cantar em pé para sair em gravação, né?”, anuncia Alceu Valença nos primeiros sulcos do lado B de Vivo!. É a introdução de um intenso pot-pourri contendo Punhal de Prata, O Medo, Quanto é Grande o Autor da Natureza, Cabelos Longos e Índio Quer Apito. Pontos Cardeais, momento copioso, colérico e tropológico de Vivo!, apresentava metáforas que iam de encontro ao que o parceiro Geraldo Azevedo (e tantos outros) passavam nos porões da Ditadura.
A lembrança de Geraldinho volta na canção seguinte, Papagaio do Futuro, com Alceu comentando que a canção foi defendida no Festival Internacional da Canção de 1972, por ele, Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. O encerramento é com Sol e Chuva: “me mate que eu sou muito Vivo! Vivo! Vivo!”.
A imprensa não cansou de elogiar Vivo!, lançado com capa dupla e imagens capturadas por um dos grandes fotógrafos do período, Mário Luiz Thompson. “O show de Alceu teve o clima ideal para fazer desse trabalho o melhor disco ao vivo gravado no Brasil”, escreveu Aloysio Reis na revista Pop.
Nesta edição especial da Rocinante Três Selos, Vivo! retorna em vinil preto 180g, com capa dupla, pôster e um encarte que inclui as letras das músicas e um texto exclusivo de Bento Araujo, jornalista e autor da série de livros Lindo Sonho Delirante. Vivo! continua a ser um testemunho da energia indomável e da paixão de Alceu Valença, um artista que não só vive intensamente o seu tempo, mas também o moldou com sua arte.