ROBSON GOMES
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O nome de seu espetáculo é Não Me Entrego, Não! E é isso que a pessoa física Othon José de Almeida Bastos tem feito ao longo de seus 91 anos de vida e 71 de carreira artística, quando se tornou conhecido do público, apenas, como Othon Bastos. Nascido em Tucano, no sertão da Bahia, o veterano tem se aventurado, desde junho, nesta montagem – escrita e dirigida por Flávio Marinho – que é um dos destaques da vasta programação da 23ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional, apresentando-se na próxima terça (26) e quarta (27), às 19h, no Teatro do Parque.
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Com o objetivo de relembrar vivências e fatos marcantes de sua trajetória, o monólogo partiu do próprio Othon que, após assistir a peça Judy: O Arco-íris é Aqui, do próprio Flávio, ficou com a ideia de também estar em cena relembrando suas histórias. Por isso, a partir de trocas entre os dois e de um calhamaço de escritos que o artista deixou sob a diligência de Flávio, o solo foi elaborado sob minuciosa pesquisa, levando em conta os principais acontecimentos da existência do intérprete.
“Lembro que nessa primeira conversa, eu disse ao Flávio: não quero amarguras! Nada de coisas tristes, depressões, dificuldades… Vamos ver o lado alegre da carreira, o lado maravilhoso que é ser um ator, mas quebrando essa ilusão de que tudo é sucesso. Como diz o [filósofo Friedrich] Nietzsche: o sucesso é o maior mentiroso que existe”, relembra Othon, em entrevista exclusiva à coluna Giro.
Demonstrando uma vivaz lucidez, o artista fez questão de ressaltar que a peça não é totalmente autobiográfica: “O espetáculo não fala só de mim. Fala da história, da história do teatro, da história política, da história de tudo! É um apanhado. E não só uma coisa de ego, em que não me interesso pelo resto. O importante, ali, é que falo de tudo. Das situações que passamos e vivemos. E isso gera muita identificação do público”.
Uma das situações que ele conta no espetáculo, e com muito bom humor, foi sobre um certo “conselho” que ouviu de uma professora, ainda dos seus tempos de escola, que ele “nunca mais na vida fizesse nada de arte”. Felizmente, Othon Bastos desobedeceu o tal aviso e, mesmo sem sonhar com isso para a sua vida, tornou-se um dos maiores atores do nosso país em plena atividade.
Após estrear, em 1951, com o espetáculo teatral Uma Terra Queimada, de Aristóteles Soares, Othon nunca mais deixou o mundo artístico. Desde então, foram cerca de 30 peças, 80 filmes – como o icônico Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha – e na televisão, somente na TV Globo, atuou em mais de 40 produções, entre novelas, minisséries e especiais.
Mesmo com tão relevante currículo, o artista sabe que seu lugar são os palcos sagrados do teatro. “Eu não faço trabalhos para posteridade. Porque tudo já está aí: os filmes para quem quiser ver, as novelas… Mas as peças não. As pessoas vão ao teatro por causa do ator ou por causa do elenco. E isso é importante. Então, eu faço teatro com muita alegria, porque é o que me importa de verdade. Cinema foi um grande acontecimento na minha vida. Televisão foi um trabalho extra. Mas o teatro, de fato, é o que me preenche profissionalmente”, arremata.
E é com esse fascínio e coração cheio de boas lembranças que o intérprete desembarca no Recife. Pois ele recorda com saudade de um episódio ocorrido no Teatro de Santa Isabel, quando apresentou o emblemático espetáculo Um Grito Parado no Ar, de Gianfrancesco Guarnieri. “Quando acabou a peça, que nós agradecemos ao público, aquele teatro completamente lotado aplaudiu de pé, gritando ‘fica, fica, fica’. Foi a maior emoção que eu tive, junto com meu grupo. Não podíamos ficar por causa dos compromissos agendados nos dias seguintes, mas eu jamais esqueci esse momento. E é com essa emoção que volto ao Recife para fazer esta nova peça: com a emoção do ‘fica’”, projeta Othon Bastos.