Pedro Cunha
Especial para o Diario
No país onde o mês de junho é sinônimo de memória, música e promessas acesas, Natascha Falcão transforma hoje, Dia de Santo Antônio, essa reza coletiva ao afeto, em palco simbólico para lançar seu novo EP, Universo de Paixão II, já disponível nas plataformas digitais. Com cinco regravações que atravessam o axé, o pagode e o forró, a artista pernambucana aprofunda sua investigação sobre pertencimento e raízes, entrelaçando lembrança e invenção. É um disco que chega querendo dançar entre a saudade e a cena, entre o lirismo e o mercado, e que parece sussurrar: o forró também pode ser moderno, pop, íntimo e político. Tudo ao mesmo tempo.
Quarto título de sua discografia, as faixas do EP são costuradas por saudade, deslocamento e reencontro, elementos que a própria cantora resume com simplicidade: “Estou contando minha história desde que saí do Recife, meu universo de paixão. Canto forró porque não saberia viver de outro jeito.”
Se no primeiro volume, lançado no ano passado, Natascha mergulhava no forró eletrônico dos anos 1990, agora ela expande o mapa afetivo. As regravações ganharam nova pele em xote, arrasta-pé e baladas carregadas de afeto, mantendo o fio condutor da tradição.
O EP se abre com Beija-Flor, sucesso da Timbalada, em versão delicada iniciada com a voz da avó da artista declarando amor a Pernambuco e abençoando a neta. “Ela fala de saudade, do medo de sair de lá, mas também me dá a força de que preciso. É como se eu cantasse pra ela: ‘toda azul sua beleza feito a cor do céu’”, conta Natascha.
Farol das Estrelas, sucesso do Soweto nos anos 1990, ganha arranjo de sanfona e vira ponte entre o samba e o forró. “Morei 12 anos no Rio, cresci ouvindo pagode. Altay Veloso, que escreveu a música, é neto de sanfoneiro. No fundo, ele deve ter o forró no sangue também”, brinca a artista.
Entre as faixas de origem nordestina, Natascha revisita Banquete de Signos (Zé Ramalho), em arranjo sofisticado de cordas por Beto Lemos, e define a canção como “uma viagem sensorial pelos símbolos da cultura do sertão”. Já Desilusão, de Dominguinhos e Anastácia, homenageia a trajetória da precursora do forró feminino. “Anastácia é um farol. Foi muito emocionante poder gravar essa música pensando no que ela representa”, diz. O disco encerra com Solidão, de Alceu Valença, em clima introspectivo e coerente. “A solidão é o que vem depois da desilusão, mas nos acompanha desde o nascimento. É doída, mas é fundamental”, reflete.
O forró de Natascha também vai atravessar fronteiras. A partir de 20 de junho, a artista embarca para a Europa, onde fará uma turnê por Portugal, Suíça e França, com passagem pelo MIMO Festival. “Me sinto muito honrada de levar a música brasileira, que pra mim é fenomenal. E o forró é uma das coisas mais populares e sofisticadas da nossa cultura. Representar minha terra lá fora, com meu trabalho, é um presente”, celebra.
Com uma trajetória que cruza música e atuação, Natascha também se destacou no ano passado como atriz. Ganhou visibilidade nacional ao interpretar Lola na novela No Rancho Fundo (TV Globo), e dividiu com Elba Ramalho os vocais da abertura da trama. A música Anjo Querubim, do caruaruense Petrúcio Amorim, regravada no primeiro volume de Universo de Paixão, integra atualmente a trilha sonora de Dona de Mim, novela das 19h.
Indicação ao Grammy Latino como Melhor Artista Revelação em 2023, o álbum Ave Mulher consagrou Natascha como uma das grandes revelações da música popular brasileira. Ao lado de títulos como o EP Kitsch Completo (2019), o single Banho de Flor (2021) e Universo de Paixão (2024), o novo lançamento confirma sua vocação para transitar entre o popular e o poético.
Com voz própria, sentimentos fincados na terra e um olhar atento ao que emociona e permanece, Natascha Falcão se mostra além de promessa. É uma artista em pleno voo: xote a xote, palco a palco, até onde a canção alcançar.
