Search
Close this search box.

.

Marta Reis: primeira mulher negra a desfilar alta costura no Recife

PEDRO CUNHA
Especial para o Giro
Foto: Marina Torres

Quando a canadense Winnie Harlow desfilou com vitiligo em passarelas internacionais ou Jill Kortleve, modelo plus size, vestiu grifes como Chanel, ficou evidente: o ideal de manequins 36, silhuetas longilíneas, peles claras e cabelos lisos já não sustentava mais o imaginário fashion. No Recife, essa revolução estética nunca foi concessão do mercado. Ela nasceu do próprio povo, entre foliões e quadrilheiros que transformaram festas populares em verdadeiros laboratórios de liberdade estética. É nesse contexto que surge Marta Reis, um dos nomes a defender esse movimento com firmeza.

Negra, periférica e amante do carnaval, a modelo transformou o próprio corpo em manifesto. Aos 65 anos, ela celebra quatro décadas de carreira com uma oficina gratuita no Centro de Design do Recife, no Pátio de São Pedro, de hoje até o dia 18, reafirmando que a moda só avança quando incorpora as vozes que antes tentou calar.

Foto: Marina Torres

“A missão é lutar contra estereótipos e pela defesa da ideia de que beleza não tem padrão fixo”, proclama, com a autoridade de quem rompeu barreiras em um universo ainda dominado por medidas rígidas. Marta foi a única mulher negra a desfilar alta costura no Recife entre as décadas de 1980 e 1990, enfrentando um circuito fashion em que os padrões eurocêntricos ainda ditavam regras.

Ao lado do estilista pernambucano Paulo Carvalho e da artista performática Consuella, ícone da cena LGBT à época, ela transitou dos desfiles beneficentes da Legião Assistencial do Recife, que reuniam nomes nacionais da moda, aos grandiosos bailes carnavalescos. “Descobri que inclusão vai muito além da aparência. É ferramenta de transformação social, capaz de empoderar e inspirar”, revela.

A oficina nasce, para Marta, desse desejo de devolver à moda sua potência pedagógica. A proposta envolve aulas sobre postura, expressão corporal e autoconfiança, mas também rodas de conversa e partilhas de histórias. O desfile final, aberto ao público, será a tradução de um percurso coletivo, em que cada participante inscreve sua própria narrativa estética. “É como se minha trajetória se transformasse em combustível para que outros também sonhem, se expressem e encontrem seu lugar na moda”, diz. Ela reforça que confiança é elemento-chave para qualquer apresentação: “Desfile de moda e concurso de rei e rainha do carnaval têm instruções distintas, mas a postura na passarela é importantíssima”.

Acervo Pessoal

Servidora de carreira da Prefeitura do Recife desde 1981, ela uniu gestão, cultura e carnaval em um caminho que ajudou a moldar a cena cultural da cidade. Foi coordenadora do concurso de fantasias do saudoso Baile dos Artistas por 11 anos, campeã de bailes tradicionais como o Municipal e o Bal Masqué, foi responsável pela Feira de Antiguidades da Rua do Bom Jesus e é mentora do Concurso de Rei e Rainha do Carnaval de Pernambuco. Atualmente, trabalha na Casa do Carnaval, que preserva e celebra a memória da festa.

Esse entrelaçamento entre carnaval e moda é também sua marca pessoal: usar a estética como ato político de pertencimento. Assim, Marta abre caminho para que talentos vindos das festas populares alcancem projeção real no mercado fashion. “Quero que as pessoas se reconheçam belas como são”, sentencia. A história de Marta Reis, tal como a proposta de sua oficina, prova que a moda mais urgente é aquela que se constrói para além do glamour.

Acervo Pessoal
Compartilhe :
Twitter
LinkedIn
Facebook
WhatsApp
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

PUBLICIDADE