ANDRÉ GUERRA
Duas mulheres dentro de uma van são ameaçadas aos gritos por homens armados que as levam para uma casa isolada no meio do mato, no alto de uma serra, onde ficam em cativeiro. Alternando entre diferentes linhas temporais para mostrar a relação entre esses criminosos, as mulheres e um roubo de joias que desencadeou todo o conflito, Serra das Almas, que entra em cartaz amanhã no Recife, passa a inserir também elementos políticos, trazendo novas camadas e personagens para um intrincado e violento jogo de gato e rato.
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Dirigido pelo pernambucano Lírio Ferreira (de Baile Perfumado, Árido Movie, O Homem que Engarrafava Nuvens e Sangue Azul), o filme abraça diferentes tradições de cinema de gênero — thriller, passando pela aventura, até a comédia de erros — para explorar a masculinidade tóxica, a corrupção política e a espiral de violência em que as pessoas se colocam quando perdem totalmente a capacidade de dialogar.
Conforme o enredo, contado de maneira não-linear, vai se desdobrando, as mulheres crescem em protagonismo.
Vividas por Julia Stockler, Mari Oliveira e a pernambucana Pally Siqueira, elas se tornam os olhos do público na forte segunda metade de Serra das Almas, que cresce em humor e tensão a cada bloco da narrativa, escrita pelo trio de roteiristas Audemir Leuzinger, Paulo Henrique Fontenelle e Maria Clara Escobar.
Em entrevista exclusiva ao Viver, Lírio afirma que a história trata do anseio pelo poder, destacando o momento político em que o filme foi gravado. “Todos os personagens são cheios de contradições e essa dualidade é muito a cara do Brasil”, atesta o diretor. “São todos desajustados de alguma maneira, lutando para ter mais poder do que os demais. E rodamos tudo durante o período eleitoral de 2022, cujo desfecho influenciou muito no set. O final do filme certamente seria diferente se o resultado das urnas tivesse sido outro”.
Interpretando um dos amigos responsáveis pelo sequestro que deflagra todo o conflito, o cearense David Santos revela um grande acolhimento por parte equipe. “Foi minha primeira filmagem fora do Ceará e a experiência teve uma força energética que facilitou o caminho para que ela se tornasse tão gostosa de fazer quanto de apreciar como espectador”, enaltece o ator. “A minha escola é a palhaçaria, então eu entendo bem desse senso de humor sonoro, da prosódia, e a gente trabalhou isso bem demais, o que tornou o set ainda mais prazeroso. A equipe deixou a gente muito à vontade para explorar os surtos dos personagens”.
O gaúcho Ravel Andrade, que incorpora de maneira visceral o mais nefasto dos bandidos, também exalta a leveza das gravações. “Apesar dessa violência extrema do filme, o processo foi de muito divertimento. Lírio nos presenteou com a brincadeira e a greia pernambucana que está tão nítida na tela”, frisa o ator durante a entrevista. “O fato de o roteiro ser escrito também por uma mulher é essencial para a criação desse cara tão brutal e complexo, então não criei sozinho esse personagem. Serra das Almas foi uma das experiências mais coletivas em que já trabalhei”.
Apesar de nenhuma das almas dessa serra ser redimida, a intenção do filme é clara em colocar esses extremos na tela para levar o público à reflexão sem respostas claras, coisa que os melhores filmes de gênero são capazes de fazer.