ROBSON GOMES
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Você já ouviu falar que tudo na vida “depende do par de óculos”? Ou seja, como se enxerga as coisas? Façamos então um recorte: na adolescência do ator Guilherme Leme, ele leu, pela primeira vez, o livro O Estrangeiro, do escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus. Mas para ele, naquele momento, foi só mais uma obra literária. Na segunda metade dos anos 2000, uma viagem à Dinamarca o fez entrar em contato novamente com aquele mesmo livro, mas, ali, já lhe bateu de forma diferente: adaptado ao formato teatral. Dois anos depois, ele estrearia O Estrangeiro nos palcos do Rio de Janeiro. Agora, 15 anos após a primeira montagem, decidiu fazer uma releitura deste próprio trabalho. E assim, “sob um novo par de óculos”, Guilherme Leme traz neste fim de semana o espetáculo O Estrangeiro_Reloaded ao Teatro do Parque.
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Repleto de existencialismo, humanismo e teatralidade, o monólogo dirigido por Vera Holtz (nas duas versões) nos apresenta Meursault, um homem que levava uma vida banal até se ver envolvido em uma sucessão de absurdos. A sua mãe morre, ele comete um crime, vai preso e, em meio à controversa relação entre o indivíduo e a lei, acaba condenado à pena de morte. A partir disso, o banal dá lugar ao absurdo, e a única coisa que se pode fazer é aprender com ele.
“O Estrangeiro_Reloaded é um espetáculo simples, de um movimento corporal simples, mas às vezes o simples é mais difícil de fazer do que uma coreografia de dança. Porque seu corpo precisa estar num estado de silêncio e de concentração muito grande”, conta Guilherme Leme em entrevista exclusiva à coluna Giro. O ator paulista de 63 anos conta que só topou remontar o espetáculo se pudesse fazer tudo diferente da versão que ficou em cartaz de 2009 a 2012. E assim o fez.
“Nós passamos por guerras, pandemia… Quantas peças de teatro foram feitas nestes 15 anos? Quantos monólogos foram encenados? Então, era necessário fazer uma nova obra. E esse foi outro desafio. Como fazer o mesmo texto com outra encenação, outra cenografia, figurino, luz… E o mais difícil foi a encenação, porque ela já era minimalista. E queríamos que fosse ainda mais minimalista para se tornar mais potente”, destaca o artista.
Se a peça está totalmente renovada no sentido teatral, as palavras e reflexões expostas por Albert Camus nesta obra continuam tão impactantes quanto. “A primeira versão foi uma montagem de muito sucesso, tanto de público quanto de crítica. Porque é um texto muito forte, ninguém sai ileso do teatro. Ele mexe com qualquer um. Até com quem, por algum motivo, não goste do texto, ou não se envolva com a peça, sai mexido”, diz o ator, que completa: “Tem gente que fala que gosta de coisas que tinha na primeira montagem, outros que gostaram mais dessa. É normal, são gostos de cada um. Mas todo mundo fica encantado com esse desafio que a gente conseguiu vencer: fazer uma obra tão enérgica e totalmente diferente da primeira versão”.
Por isso mesmo, O Estrangeiro_Reloaded não é um espetáculo que tem uma “lição” a ser apreendida pelo público. “O que posso falar é que as pessoas vão conhecer o existencialismo. Vai provocar a reflexão existencialista em cada um da plateia. E também vamos nos dar conta do quanto absurdo é o mundo”, reforça Guilherme Leme, citando um dos pensamentos mais difundidos por Camus.
Com a experiência de 40 anos de carreira e inúmeros trabalhos na televisão, cinema e teatro – como ator e diretor –, é nesse último universo formado por palcos, cortinas e plateias que ele prefere se mover. “Como minha vida é muito teatral, as pessoas acham que não gosto de fazer televisão, cinema… Mas não é. É porque você acaba criando um círculo. E meu círculo, nos últimos 15, 20 anos, foi totalmente no teatro, sabe? Eu sou um bicho de teatro”, define Guilherme Leme, usando o “par de óculos” com o qual observa sua carreira artística.
SERVIÇO
O Estrangeiro_Reloaded – com Guilherme Leme
Neste sábado (24) e domingo (25), no Teatro do Parque, às 19h.
Ingressos a partir de R$60, à venda on-line.