ROBSON GOMES
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Estamos em 2024, época em que a atual geração está mergulhada em séries, streamings e doramas. Mas há 73 anos um gênero da dramaturgia segue vivo nas televisões digitais Brasil afora e que, em seu início, substituiu as radionovelas e folhetins de jornal: as telenovelas. E ainda tem pessoas que amam tanto esse formato de contar histórias que levaram esse amor para a academia. É o caso do paulista Mauro Alencar, biógrafo e especialista em teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP).
Considerado “um almanaque da teledramaturgia brasileira”, Mauro contou à coluna Giro como essa paixão começou. “Nasceu com o seriado Perdidos no Espaço, entre 1966 e 1967. Depois migrei para a telenovela à época de grandes sucessos da extinta TV Excelsior: Redenção, A Muralha, Sangue do Meu Sangue e Os Estranhos. Em 1970, ao assistir Irmãos Coragem, Pigmalião 70 e O Cafona, de 1971, passei a nutrir admiração e amor absolutos pelo gênero. Eu tinha só oito anos de idade!”, relembra.
A tamanha afinidade pelas histórias divididas em capítulos exibidos na TV acabou sendo seu objeto de estudos na faculdade: “Por sentir o desejo e a preocupação de me aprofundar nesse fundamental produto da indústria cultural à luz das ciências humanas, levar o meu amor ao campo da razão foi um processo natural. Eu precisava compreender a telenovela por meio da sociologia, psicologia e economia, para não ficarmos apenas em algumas matérias básicas”.
E hoje, como especialista que é, Mauro justifica com precisão porque boa parte dos brasileiros, assim como ele, ainda preferem assistir a um bom folhetim. “É pela narrativa diária, pelo desenrolar gradativo das personagens e por sua mistura e feitura com o cotidiano”, explica. “E ainda há o ingrediente destas obras abordarem temas sociais como nas recentes Pantanal, Vai na Fé e Renascer. Por sua popularidade, a telenovela vai, aos poucos, equilibrando inúmeros desajustes sociais e comportamentais”.
Mas será que somos o país que melhor faz telenovelas no mundo? O especialista pondera: “Em termos. Porque o mundo aprendeu a fazer novelas e vem aprimorando a qualidade muito em função do alcance do streaming. Vou com certa frequência à Coreia do Sul e China e fico impressionado com a qualidade das produções. Frequento a Academia de Artes e Ciências da TV de Nova York há mais de dez anos, em função do prêmio Emmy, e só tenho visto aumento de qualidade em quase todos os países”.
Em tempos em que a principal emissora de teledramaturgia do país vem abastecendo seu público de remakes (novas versões), e preparando a volta de Vale Tudo – considerada a obra prima da novela brasileira – para 2025, o estudioso consegue explicar o fenômeno. “O remake faz parte da indústria do entretenimento mundial. Também estou curioso para ver o duelo entre a ética e o “vale tudo” nos dias atuais. De qualquer maneira, remake sempre foi uma especialidade da Televisa (emissora mexicana, a maior produtora do gênero) e parece que agora também chegou por aqui. Até o streaming vai contar novamente a história da Feiticeira do Araxá”, conta ele, referindo-se ao reboot Dona Beja, que será lançada na plataforma de streaming Max, baseada em uma novela de 1986 da extinta TV Manchete.
Entre novelas e livros
A dedicação de Mauro Alencar pela teledramaturgia também desenvolveu seu lado biógrafo. Além de obras sobre as novelas (como A Hollywood Brasileira – Panorama da Telenovela no Brasil e a adaptação de algumas tramas da Globo em livro na série Grandes Novelas), ele publicou livros contando as histórias dos atores Paulo Gracindo, Nívea Maria e, mais recentemente, Susana Vieira, com quem escreveu as 336 páginas de Susana Vieira: Senhora do Meu Destino, publicada pela Globo Livros. Uma obra, inclusive, que demorou dez anos para ficar pronta.
“Foi fascinante! Eu sabia que a indústria cultural precisava desse precioso registro. E o mais importante: poder contar a história de uma estrela da arte do Brasil para o mundo. Susana é uma mulher que venceu todos os obstáculos em período de extremo preconceito e numa carreira de difícil aceitação social à época do início de sua trajetória”, ressalta Alencar.
Em clima de último capítulo, perguntamos ao entrevistado na derradeira questão se a vida dele daria uma novela. A resposta, no entanto, tem a poética e leveza de uma trama para exibir no horário das seis. “Sim! Minha vida é uma novela. Aliás, a vida de qualquer pessoa pode ser transformada em novela. Tudo depende de como nos situamos no mundo e vamos escrevendo ou contando a nossa aventura no tempo e no espaço”, termina Mauro Alencar, sem a necessidade da palavra “fim”, cortando apenas para os créditos de encerramento.