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Daniela Mercury e Márcia Freire celebram o Axé no Odara Ôdesce

ROBSON GOMES // [email protected]

Junte os acordes de uma guitarra baiana, pitadas de frevo e uma porção de latinidade com os elementos do candomblé traduzidos na força dos tambores e a propagação desse som contagiante através de um trio elétrico. Essa é a receita que arrasta multidões pelas ruas da Bahia e em qualquer lugar em que haja as famosas micaretas. Todos esses elementos caracterizam um gênero musical baiano que, em 2025, completa 40 anos de existência embalando carnavais dentro e fora de época. Seu nome é Axé Music. E é no embalo das canções deste movimento que a prévia carnavalesca Odara Ôdesce recebe neste sábado (18), no Bairro do Recife, dois ícones desta cena repleta de ritmo, sensualidade e dendê: Márcia Freire e a rainha Daniela Mercury.

>> Leia a coluna Giro desta sexta-feira, 17/01/2025

Antes apenas uma saudação religiosa usada por religiões de matriz africana que significa energia positiva, o “axé” enquanto gênero musical tem como seu marco zero, amplamente difundido em 1985, o lançamento da música Fricote, do pioneiro do movimento Luiz Caldas, composta por ele e Paulinho Camafeu. Ao entoar versos como “Nega do cabelo duro / que não gosta de pentear…”, a canção que mesclava elementos afro com uma percussão marcante e de acento pop começou a ser vista à revelia pela elite cultural branca por seu espírito folião mas que, rapidamente, caiu no gosto popular. E este primeiro grande hit projetou o nome de Caldas não só na Bahia, mas no Brasil inteiro.

Na mesma época, Moraes Moreira, que fez parte dos Novos Baianos, grupo amplamente influenciado pela Bossa Nova e o Tropicalismo, continuava a fazer a fusão de vários gêneros musicais como samba e rock, além de tocar o ijexá dos afoxés e o frevo, aumentando a diversidade rítmica deste gênero. Além disso, artistas como Gerônimo, ao lançar a música É d’Oxum em 1986 ficou marcado por introduzir o candomblé nesse movimento que começava a ganhar espaço na música brasileira.

“Por tudo isso digo que é um gênero. É um grupo de artistas que faz uma música dançante carnavalesca, mas que bebe de muitas fontes distintas”, explica Daniela Mercury, a grande rainha do axé, em entrevista exclusiva ao Giro. “E esse gênero nasceu a partir de 1985, exatamente quando nossa democracia se fortalece, quando voltamos a viver uma democracia. O axé, para mim, é importante porque trouxe brasilidade e um discurso antifascista no sentido de falar contra o racismo, de se afirmar. Mostra a diversidade da música brasileira, englobando ritmos e posicionando artistas nordestinos com novas fusões e novas contribuições no mainstream da música brasileira”, completa.

Márcia Freire – Foto: Divulgação

Márcia Freire, que foi uma das primeiras mulheres a se destacar no axé – assim como Sarajane, dona do hit A Roda, de 1987 –, segue até hoje arrastando multidões com uma trajetória marcada por sua passagem na Banda Cheiro de Amor no início dos anos 1990 e em sua carreira solo: “O axé é minha vivência, minha realidade de vida, não só no contexto da arte, mas trago para minha vida todo esse aprendizado. Inclusive financeiramente, porque se contar como um trabalho, algo que você é remunerado, também é a minha vida. Eu vivo desse movimento da música, dos shows. Então, esse ritmo está dentro de mim, da cabeça aos pés”.

A nomenclatura deste gênero como axé music nasceu de forma pejorativa, em 1987, pelo jornalista Hagamenon Brito, mas logo os artistas e a força do movimento abraçaram o rótulo para marcar a sonoridade de artistas, músicos e grupos emblemáticos como, além dos já citados anteriormente, Olodum, Chiclete com Banana, Banda Mel, Banda Reflexu’s, Timbalada, Araketu, Banda Eva (responsável por revelar outra diva, Ivete Sangalo), Asa de Águia, Banda Beijo, É o Tchan, Carlinhos Brown, a nossa atual Ministra da Cultura, Margareth Menezes, entre muitos outros. Uma lista interminável.

Não demorou para o axé music se espalhar pelo país e representar o som do carnaval. E claro que, no embalo, o axé chegou a Pernambuco no início dos anos 1990 através do Recifolia, que monopolizava a Avenida Boa Viagem trazendo os baianos com seus blocos e hits, mas também abrindo espaço para que artistas locais mostrassem o jeito próprio de fazer música carnavalesca.

Almir Rouche, que na época integrava a Banda Pinguim, relembra esse tempo: “O contato que tive com o axé foi com aquele formato de evento que eles faziam, que era esses carnavais fora de época. Mas aproveitei essas ocasiões para colocar a nossa cultura e a nossa música”. O pernambucano nunca deixou de tocar frevos, caboclinhos e outros ritmos locais, mesmo estando em cima dos trios elétricos destas festas “made in Bahia”.

Com o axé em alta, outro conterrâneo que fez o mesmo movimento que Rouche nas micaretas baianas foi André Rio. “No Recifolia, todos nós fizemos blocos. O Almir tinha o Pinguim, o Marrom vinha com o Versão Brasileira, nós tivemos o Cana Caiana e o Sou Teu Amor. Ou seja, comandamos blocos que representavam, de certa forma, a estética que o axé difundia em suas canções, mas sempre com o frevo como carro-chefe. Nós éramos os representantes da cultura vasta e plural de Pernambuco nessas micaretas”.

Quarenta anos depois, o axé music tem seu lugar cativo na ampla e diversa música popular brasileira. E qual seria o futuro desse gênero musical? “É necessário passar esse legado adiante. Espero que a geração mais nova escute, ouça e se importe. Pois o principal elemento do axé é a mistura: ela tem sons da África, do Caribe, e esse movimento precisa continuar. Assim como Pernambuco tem seu frevo e sua rica história cultural, a gente tem a nossa e precisamos levar isso para o mundo, assim como vocês. Pois acima de tudo, o axé é uma música que vem do carnaval e do povo”, responde Márcia Freire.

Entronada como a rainha do axé pela “monarquia do povo”, como diz a própria, Daniela Mercury ressalta que só ocupa esse posto graças a quem veio antes dela dentro do gênero. “Fico muito honrada de ter feito isso com um povo tão criativo, espetacular, com a linha evolutiva da música popular brasileira, de Dorival Caymmi, de João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Novos Baianos. Eu sou filha deles e pude criar também pela inspiração e provocação do pensamento deles sobre democracia, não-autoritarismo e tantas questões brasileiras. Nestes 40 anos da axé, eu quero reverenciar quem veio antes. Porque sem a música de Luiz Caldas, Chiclete com Banana e tantos outros, eu não seria a artista que sou hoje”, decreta a eterna dona do Canto da Cidade.

SERVIÇO

Odara Ôdesce – A Prévia – com Daniela Mercury, Márcia Freire e DJ’s Allana Marques e Lala K. Neste sábado (18), a partir das 17h, no Mirante Joia Rara, Bairro do Recife. Ingressos a partir de R$120, à venda online.

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