O quarteirão entre as ruas Capitão Lima e Rocha Pita, em Santo Amaro, é carinhosamente chamado de “Vila” por seus moradores. Para além da estrutura física remanescente da época em que foi fundada por trabalhadores de antigas fábricas das redondezas, como a Renda Priori e a Antártica, a dinâmica do local mantém características raras em muitos bairros da capital pernambucana e de grandes centros urbanos, com uma maior proximidade entre os vizinhos e uma relação de pertencimento com o território. Essa atmosfera especial foi uma das inspirações para a escolha da área para sediar o Reside Amaro, festival de artes integradas gratuito que acontece em espaços como residências, comércios, ruas e até na igreja, a partir desta sexta-feira (7) até domingo.
>> Leia a coluna Giro desta sexta-feira, 07/02/2025
O projeto, inédito no Brasil, é inspirado no “Bombón Vecinal”, iniciativa argentina que propôs “ativar” um bairro, convidando seus moradores a construir juntos um festival. A primeira experiência aconteceu em 2019, no FIBA – Festival Internacional de Buenos Aires, com Monina Bonelli e seus parceiros do Teatro Bombón, Cristian Scotton e Sol Salinas, estabelecendo um diálogo entre a comunidade e a cena artística local. Instigada pela experiência, a produtora Paula de Renor convidou Monina e o curador, jornalista e produtor Celso Curi (SP) para construírem juntos a quinta edição do Reside.FIT/PE (Festival Internacional de Teatro de Pernambuco), com foco no teatro comunitário.
Para abrir as portas deste território, Paula contou com um anfitrião de peso: seu irmão Roger de Renor. Morador da “Vila”, seu olhar sobre o local é permeado por afeto e pertencimento. Foi a partir dele que os organizadores do projeto começaram, por volta de junho de 2024, a chegar nos vizinhos, distribuindo cartas, convidando-os para conhecer a proposta e ouvindo suas histórias. Várias mediações feitas por Monina despertaram neles a perspectiva de que suas histórias não só são importantes, como também podem ser teatralizadas e ganhar protagonismo, com eles próprios interpretando suas vivências.
“Aplicamos nossas ferramentas de mediação em um novo território, criando uma dramaturgia urbana única e ampliando sua metodologia. Como artista e curadora estrangeira, viver na comunidade, ouvir suas vozes, compartilhar o cotidiano e registrar histórias é um modo de estar perto e longe ao mesmo tempo. Mais que narrativas individuais, buscamos construir um olhar, uma dramaturgia do espaço. A colaboração com curadores e artistas locais permitiu entender identidades, formas de expressão e estéticas, uma troca inestimável que enriquece tanto essa ‘forasteira’ quanto os moradores”, pontua Monina Bonelli.
Ações como exibição de filme na rua, campeonato de dominó, karaokê, a revitalização de um beco com pinturas em homenagem a Roberto Carlos (cantor favorito de um dos moradores) e a produção de um álbum de fotografias dos vizinhos, clicados por Rogério Alves, estiveram entre as iniciativas para aproximar moradores dos artistas, estreitando laços.
O projeto gestou diversas performances originais, que terão os moradores como protagonistas, desvendando facetas de suas histórias e a relação com o território. É o caso de Geraldo Lima, conhecido como Rei do Omelete, cujo restaurante é um dos mais badalados da região e sediará a performance documental sobre sua vida. Ou ainda do Padre Caetano, da Matriz Nossa Senhora da Piedade, que apresentará seu talento musical.
Nesta grande celebração de artes integradas, também acontecerão experiências sensoriais com audioguia, instalação, performances, karaokê (ininterrupto, basta chegar e cantar), exibição de vídeo, entre outras. Ao todo, serão dez ações em espaços fechados e dez em espaços abertos, incluindo uma festa com a Som na Rural, de Roger de Renor, e o Boi Marinho, de Helder Vasconcelos. Nos espaços fechados, o número de espectadores será limitado a cerca de 20 pessoas por sessão, com a maioria das apresentações acontecendo simultaneamente e mais de uma vez por noite.
Diversos artistas locais se envolveram no projeto, como Newton Moreno, Giordano Castro, Márcia Cruz, Fabiana Pirro, Amanda Menelau, Anderson Leite, Augusta Ferraz, HBlynda Morais, Mônica Lira, entre outros. Em diálogo com o caráter internacional do Reside, também serão apresentadas duas peças teatrais da Argentina. Rainha aborda a temática do envelhecimento para mulheres trans, de forma intimista e confessional, e é protagonizada por Maiamar Abrodos, atriz que é símbolo da comunidade LGBTQIAPN+ de Buenos Aires. Já Da Melhor Maneira, com Federico Liss e David Rubinstein, conta a história de dois irmãos que chegam ao bar da família em meio ao velório do pai, confrontando-se com questões do passado. Ambos serão interpretados em espanhol, com legenda em português.
Para que os visitantes se localizem na Vila, haverá um mapa com os pontos de apresentação, além do apoio da equipe do Reside Amaro. No site do festival, também é possível conferir essa cartografia cênica, além das sinopses dos trabalhos. A gastronomia também terá um espaço de destaque, seja a informal ou a dos restaurantes do bairro, conhecido como um pólo do setor, que se integrarão ao festival. Essa mobilização coletiva, para além da fruição estética, mobiliza também questões políticas, incluindo o fortalecimento da noção de comunidade e da importância de ocupar os espaços públicos.
“Acredito que a troca é a essência do projeto: diálogo, escuta e festa como resistência cultural. Depois de ensaios, conversas e partilhas, abrir nossas casas e histórias transforma o bairro. Assim foi em Buenos Aires, e desejo o mesmo para Santo Amaro”, enfatiza Monina.
SERVIÇO
Festival Reside Amaro
Datas/Horários: Nesta sexta-feira (7), a partir das 19h; Sábado e domingo (8 e 9), a partir das 18h
Ingressos: Gratuitos, com distribuição dos ingressos 1h antes das apresentações
Informações: www.residefestival.com.br e @residefestivalbr (Instagram)