ROBSON GOMES
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Assim diz os primeiros versos da música Só o Amor, lançada em 2016: “Suave como um furacão / Tranquila como um vulcão / Se joga no mundão, não, ninguém segura…” Estes mesmos versos ajudam a definir a complexidade que é a própria intérprete desta canção. Seu nome é Preta Maria Gadelha Gil Moreira, que o grande público conhece como Preta Gil. A artista carioca completa meio século de vida e decidiu marcar a efeméride lançando sua autobiografia, intitulada exatamente Preta Gil: Os Primeiros 50 (Globo Livros, 2024).
>> Leia a coluna Giro desta terça-feira, 29/10/2024
Na publicação, sem filtros, a filha do baiano Gilberto Gil e de Sandra Gadelha, a Drão da icônica canção, conta sua trajetória de maneira honesta e emocionante, permeada por altos e baixos, revelando segredos, anseios, fragilidades e detalhes de passagens difíceis que envolvem desde ser alvo de gordofobia em público, até passar pela descoberta de um câncer e viver o fim conturbado de um casamento ao mesmo tempo, por conta de uma dupla traição – do marido, que ficou com sua amiga e stylist – exposta publicamente.
Em meio às 280 páginas do livro, Preta Gil convida o leitor para uma conversa informal. E como um diálogo com um amigo próximo, não há uma organização cronológica dos fatos. Nas primeiras linhas, ela conta que a publicação estava sendo preparada há muito tempo: “Ele está escrito desde 2018. E, quis o destino, que ele estivesse pronto agora: no ano de 2024, depois de curar um câncer [que teve uma reicidiva em agosto] iniciando as celebrações dos meus 50 anos de VIDA. VIDA, assim, em caixa alta. Ao escrever este livro, eu celebro duas coisas: a vida e a transformação”.
Esbanjando sinceridade, na obra somos apresentados a uma Preta moleca, que gostava de ser o centro das atenções na escola, se apaixonava facilmente por adultos, tem um alter-ego chamado Priscila Capricce que é uma verdadeira fanfarrona, sua bissexualidade e dona de um amor incondicional pela sua família e, principalmente, seu filho, Francisco, e sua neta, Sol de Maria.
Também conhecida por suas polêmicas, Preta Gil não se isenta de relatar todas elas em seu livro. Muitas foram de conhecimento do público, como a barulhenta capa de seu primeiro disco, em que saiu nua, em 2003; a passagem em que ela aprendeu, de forma nada amistosa, a despertar sua consciência sobre negritude durante uma palestra de faculdade; os detalhes de como acabou seu último casamento em meio a seu duro tratamento de um câncer no reto que quase tirou sua vida, até a fatos que ela comenta pela primeira vez, como foi alvo de gordofobia e violência verbal durante a gravação de um programa com Silvio Santos, pelo próprio apresentador, em 2018.
“Além de toda a questão da minha doença e da sepse que quase me matou, ainda tive que lidar com uma traição e uma separação. […] O tratamento de um câncer como o meu é muito pesado, então, diversas vezes me vi prostrada, acamada, sem mal conseguir me levantar. Durante esse período tão difícil, fui completamente abandonada por ele. E faço questão de falar isso porque essa é a realidade de várias mulheres no Brasil”, desabafa Preta sobre a separação do personal trainer Rodrigo Godoy, no ano passado.
Intempéries à parte, o bom humor de Preta Gil está presente nas linhas do livro, porque ela também é assim. E as reflexões sobre o futuro de quem completa 50 anos são bastante coerentes com a pessoa singular que ela é: empoderada, inspiradora, segura de si e dona de sua própria narrativa.
“Depois de todo esse turbilhão pelo qual passei […] quero que você saiba que estou apaixonada por duas pessoas, um homem e uma mulher, e que minha agenda está descontroladamente cheia. Ou seja, continuo vivendo. […] Mas com muita coragem. Nada mais vai me paralisar novamente”, entrega Preta Gil em seu posfácio, suave como um furacão, tranquila como um vulcão.