ROBSON GOMES
[email protected]
No número 999 da Rua da Aurora, no centro do Recife, um edifício inaugurado no início dos anos 1970 possui em seu hall um painel de formas caleidoscópicas, feito em mármore, latão e aço, datado de 1974. Mas, definitivamente, este não é um painel qualquer. Trata-se de uma obra modernista assinada pela vitralista Marianne Peretti: uma artista única, de mãe francesa e pai pernambucano, responsável por obras icônicas como a Catedral de Brasília e o mural do Museu do Carnaval (RJ), que faleceu na capital pernambucana aos 94 anos em 2022. Passados dois anos de sua partida, este painel localizado no Edifício Montreal acaba de ser restaurado, representando assim mais um passo na democratização da arte, que vê nestes espaços uma espécie de galeria a céu aberto.
>> Leia a coluna Giro desta quarta-feira, 18/09/2024
Com todos os sentimentos que uma obra de arte pode causar, a aposentada Jacqueline Santiago, que afirma com orgulho ter sido a segunda moradora deste condomínio, fala da admiração que sentia daquele painel desde seu primeiro contato com a obra, quando tinha apenas 13 anos. “Ele faz parte da história do nosso prédio. Lembro que me chamava a atenção desde pequena. Eu e as outras crianças sempre elogiamos aquela obra de arte enquanto brincávamos ali por perto”, relembra ela, que hoje é síndica do Montreal.
Muito além do afeto, a recuperação da obra desta artista tem um peso histórico, como explica o professor de Arquitetura e Design da UFPE, Ney Dantas. “A restauração das obras de Marianne Peretti é fundamental para preservar a história e o valor artístico de uma das mais importantes vitralistas do Brasil. Seus vitrais e esculturas transcendem o caráter decorativo, transformando a relação entre a arquitetura e o ambiente ao redor”, destaca o especialista, que completa: “Restaurar essas obras não é apenas uma questão de manutenção física, mas de resgatar a visão original dela, garantindo que sua arte continue impactando e inspirando novas gerações”.
Assim como a obra de Peretti enfeita o hall da Rua da Aurora, quem circula pelo Recife pode ser impactado por outras obras icônicas como peças de José Corbiniano Lins no Restaurante-Escola do Senac ali na Visconde de Suassuna, bem como as esculturas de Abelardo da Hora que adornam as Avenidas Beira Rio e Boa Viagem. Daí a importância de mantê-los e preservá-los sempre que for oportuno.
Para o colecionador de arte Henrique Barbosa, morador do Montreal há 30 anos, o sentimento de ser vizinho de uma obra tão importante tem um valor inestimável. “O painel de Peretti aqui no edifício é, na minha perspectiva, uma das belas obras já produzidas pela artista na década de 1970. E isso agrega um grande valor a este imóvel, sobretudo por manter a obra original e conservada. Como colecionador, sinto orgulho de morar num lugar que se destaca por possuir essa valiosa instalação de arte”, ressalta.
Este painel cinquentenário, que tem 3,60 m x 2,40 m, como vimos, pode-se medir por tempo, altura e largura, mas no quesito importância e representatividade para a arte brasileira, os valores se tornam incalculáveis. “Por ocasião das reuniões de condomínio para avaliação e aprovação dos orçamentos de manutenção e restauro do mural da artista no hall do Edifício Montreal, eu costumava lembrar aos outros condôminos que nós morávamos, literalmente, sobre um tesouro”, detalha o morador e artista plástico Marcos Porto. Por isso, manter esta obra restaurada, é salvaguardar o imenso legado de Marianne Peretti vivo. “Não tem como não nos sentirmos honrados, pois cada habitante do prédio é um pouquinho dono dessa obra de arte tão importante; e tão bela”, arremata o condômino.